3 de fev. de 2010

Magia



O Mestre, movimentos alterados pelos excessos do dia, convida o discípulo para se aproximar e sentar-se junto a ele. Tinha algo importante para comunicar. O velho laboratório ao redor, tubos e retortas, fogo e fumaça espalhados ao redor deles. Eram estudiosos da magia quântica multi nível.
“É chegada a hora, meu rapaz, de conhecer os verdadeiros segredos que carrego, você já estudou o suficiente, agora é hora de aprender o que realmente interessa...”
“Não estou entendendo, mestre,” seus olhos brilham diante das possibilidades, havia muito tempo aguardava a revelação dos mistérios.
“Consegui dominar um poder inimaginável,” continuou o mestre, “algo que preciso compartilhar com alguém antes que me vá, porém, meu caro, este poder é por demais elevado e exige um grau de responsabilidade que, suponho, você alcançou e é melhor preparado que eu mesmo...”
O discípulo se sentiu lisonjeado, trabalhara muito para conseguir o respeito do Mestre.  Ele respondeu:
“Espero corresponder à suas expectativas, mestre, é algo alquímico, transcendente? É Algum tipo de conhecimento ancestral, passado de mestre para discípulo?”
“Não, não é nada disso, é algo novo e extremamente perigoso. É baseado no conhecimento quântico e, acaso a domine, poderá, sem nenhum esforço, teletransportar-se por curtas distâncias, comportar-se como onda ou partícula, permanecer meio vivo ou meio morto por horas ou séculos, até que abram a caixa na qual tem que permanecer para conseguir tal efeito e, quiçá, poderá ser homem e mulher ao mesmo tempo ou dividir-se em várias cópias de si mesmo, o que, evidentemente, aumentaria a diversão…”
“Isto tudo é muito interessante, Mestre, é fantástico!” Repetia o discípulo.
“Além disso,” continuava o Mestre, “poderá enganar os efeitos do tempo. Além de poder gerar pequenas quantidades de energia, o suficiente para acender cigarros ou similares em festas.”
O Mestre tira do bolso um cigarro artesanal de alguma erva oriental e acende com o dedo, numa demonstração de poder, enchendo o ar da sala com uma fumaça pesada e odorífica.
“Átomos! É um poder impressionante! Em quanto tempo acha que dominarei este poder, mestre?”
“Rapidamente, rapidamente,” responde ele exalando fumaça na forma de símbolos alquímicos. Seus olhos mudam para um tom avermelhado e  ele continua: “Porém, há um problema, e é justamente o que torna esta disciplina tão perigosa...”
O discípulo arregala os olhos.
“Para tudo há efeitos indesejados, isto é sabido, Mestre” diz, contrariado, o discípulo “o que ocorre, mestre, queda de cabelos, seborréia, impotência, nada importante, Mestre, eu sei, meu corpo já foi entregue há muito tempo às disciplinas secretas”
“Não, não é nada disso,” o mestre se teletransporta até o bar, onde prepara uma dose de uísque. Enche o copo, bebe um pouco e torna a encher o copo,  teletransportando-se de volta. “Então, o problema é que, lembra se de Heisenberg?”
“Sim, claro, o principio da incerteza, mas isso é ciência, algo inexato, superficial...”
“O problema,” continuou o Mestre, é que vislumbrei o futuro. Vi um futuro incerto, sei que algo ocorrerá, aparentemente hoje, mas não posso ter certeza, deveria ser agora e deveria ser algo ridículo, mas nunca saberemos, nunca com cereza, sempre há um fator de indeterminância, não é mesmo?”, olha para o bar e pergunta ao discípulo se ele  também quer uma dose.
Porém, antes que possa se teletransportar de novo, o Mestre soluça, sente algo, arregala os olhos e solta um pequeno arroto.
“Blurp!,” ele diz, “meu estômago, não, hic, não está, hic...”
Mais um soluço e mais um. Começa uma seqüência incontrolável de soluços, ele perde o controle de si mesmo, de seus poderes e de sua estrutura. Logo ele começa a dar pequenos saltos quânticos pela sala, aparece e desaparece por todos os lados, sem controle. Pedidos de ajuda se intercalam aos soluços. Ele começa a se dividir em várias cópias, de ambos os sexos, enchendo a sala.  Logo as divisões já não mais respeitam a integridade de um corpo, fígados desgastados dançam ao redor de pulmões não em estado melhor, cérebros tentam entender a falta de corpo e gravidade, orgãos sexuais divertem-se sozinhos, intestinos sem controle, bexigas e estômagos e olhos e bocas e testículos sem rumo.
O discípulo quer correr, quer ajudar, mas está paralisado pelo medo. A única reação que tem é chorar debaixo da mesa, mal consegue olhar para aquilo tudo. Os órgãos continuam girando pela sala em um turbilhão incontrolável, ainda se ouve os soluços, vários soluços, brotando de lugares inimagináveis, impossíveis.
Tudo aquilo dura uma eternidade para a única testemunha inteira, ele não sabe direito como, mas, de repente, tudo se junta e  se enrola, formando uma imagem grotesca, e depois começa a encolher, liberando um enorme clarão, cegando o discípulo.
Algum tempo passa e quando ele consegue enxergar novamente o Mestre não está mais lá, resta apenas a caixa mágica, agora aberta, e de dentro dela sai um gato, que sorri e  ronrona , no pescoço ele carrega uma plaqueta,  na qual está  gravado algo em baixo relevo, mas o discípulo não lê, apenas foge dali, pois esperava o pior.