10 de jun. de 2009

Anfíbios

Não havia razão alguma para parar ali, mas ele resolveu sentar se em uma das mesas que ficavam na calçada do restaurante. O garçom veio até ele, estendeu o cardápio e foi cuidar das outras mesas.

Ele enfiou a cabeça entre as mãos, olhando o cardápio, mas sem vê-lo, sentia-se insignificante, vazio, todos os dias tudo acontecia sempre da mesma maneira e não tinha forças para mudar, um casamento monótono, um emprego monótono, mas, no fundo, ele sabia que o problema não era do mundo, mas sim dele, ele não tinha a capacidade de mudar.

Minutos depois, o garçom voltou.

“O que deseja, senhor?”

“Morrer…”

O garçom deixou escapar um olhar de espanto, mas logo, recuperado, perguntou novamente.

“Senhor, o que deseja?”

O homem levantou os olhos para o garçom e falou a primeira coisa que veio em sua cabeça:

“Uma vodka, por favor…”

“Um minuto, senhor…”

O garçom virou às costas e se foi para o bar buscar a dose que ele havia pedido. Sozinho novamente. Sozinho em meio a todas aquelas pessoas: falando, bebendo, fumando. Todos ali tentando desesperadamente não se afogar em sua vida cotidiana, tentando, de alguma forma, matar aquela sensação de vazio que cresce dentro delas, mais e mais, e que sufoca aos poucos.

Fazia tempo que não se sentia como um deles, não conseguia mais se identificar com aquelas pessoas, já não podia respirar tranqüilamente como eles, começava a se afogar, lentamente, em sua vida vazia e sem sentido, não podia entender como é que nunca pareciam sentir-se como ele.

O calor naquele dia estava insuportável e ele estava encharcado de suor. Ali perto havia uma lagoa que contribuía muito para a umidade excessiva do ar e não deixava que uma gota sequer de seu suor evaporasse. Começava a sentir vontade de sumir dali, sair daquele lugar, do meio de todas aquelas pessoas.

De repente, percebe alguma coisa se movimentando na movimentada avenida onde se situava o restaurante. Notou uma coisa se movendo sobre o asfalto, aos pulos. Um sapo. Ele vinha pulando, provavelmente vindo da lagoa, seguindo algum velho instinto seu que o obrigava a ir naquela direção. Ele entrou na rua e não demorou muito para que um carro o esmagasse.

Isso aumentou ainda mais a tristeza do homem.

O garçom trouxe a vodka. Ele começou a beber devagar, sentindo o líquido transparente queimar por onde passava. Não podia evitar pensar na morte. Na morte em geral, mas também na morte daquele pequeno sapo, na injustiça daquele fato.

Outros sapos apareceram e todos, um a um, foram esmagados. As rodas cobravam um pesado tributo para aqueles animais. Queria poder fazer algo, mas não havia nada a fazer.

Enquanto ele estava distraído com os sapos, um besouro se desgarrou da lâmpada de um poste e veio em espiral até dentro do copo com vodka pela metade que ele segurava em uma das mãos. Quando ele foi tomar mais um gole, percebeu o inseto ainda se mexendo. Olhou incrédulo para pequeno animal, não acreditava que ele tinha vindo se afogar justamente ali. Tentou tirar o inseto do copo com o dedo, mas já era tarde, o álcool, provavelmente, o matou. Colocou o copo sobre mesa, e não pode evitar dizer para si mesmo:

“Qual será o gosto de um inseto?”

Antes que ele se decidisse a provar, o garçom veio e viu o copo com o inseto dentro, pediu desculpas e foi pegar outra dose. Não demorou para voltar, colocou novamente o copo na frente do homem:

“Mais alguma coisa?”

“Alguma mosca, talvez...”

O garçom já tinha perdido a paciência com o homem, mas estava acostumado a lidar com bêbados e fez o que normalmente fazia nessas situações: ignorou o que ele pensou fosse uma brincadeira de mau-gosto:

“Aí está sua dose, senhor…”,

O garçom se foi e ele voltou a olhar para a avenida:

“Por que não desistem, por que continuam se matando? Será que algum consegue chegar do outro lado?”

Bebeu o copo de vodka de uma vez só e continuou olhando aquele pequeno massacre, os sapos não paravam de morrer sob aquelas rodas


Ele ficou lá, parado, olhando para o copo de vodka durante muito tempo ainda, às vezes, olhava para os sapos que não paravam de morrer sob as rodas. Ele sentia-se muito cansado, cansado demais para continuar com aquela vida, não podia mais ficar mergulhando no mundo em que vivia, não conseguia mais respirar, estava se afogando, tinha que sair dali.

Levantou-se, pegou a carteira no bolso de trás, tirou o dinheiro, todo ele, e o deixou sobre a mesa, para o garçom. Andou lentamente até a beira da avenida, ainda conseguia ouvir o rumor das pessoas atrás de si, sentia o cheiro dos cigarros e das bebidas. Respirou fundo para ter certeza e, junto com os sapos, mergulhou na avenida cheia de carros.

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